Valéria Nancí
Geógrafa e Publicitária
O caso das inteligências múltiplas
Desde
crianças, somos submetidos a profissionais, por vezes, não qualificados, que
tendem a reproduzir conhecimentos sem a mínima intenção de formar seres
pensantes. Não os chamo professores, nem mesmo educadores, pois acho que estes
sim, para receber tais nomenclaturas, estão em outro patamar: num patamar de
seres humanos que desejam suscitar a criticidade no outro; almejam dar ao outro
a possibilidade de pensar e, aí sim, fazer parte de um mundo real: o da
educação que forma e transforma.
A ideia da
escola ideal ainda é somente uma ideia. Observamos, a todo momento, que a aprendizagem fora relegada a segundo plano e,
os indivíduos envolvidos neste processo apenas como ouvintes, tornaram-se
“escravos” de um sistema educacional que de nada vale às reais necessidades
humanas: o pensar e o refletir .
Se para tudo há um começo, na educação nunca foi, e nunca
será, diferente. A chamada base é o “start”
para nossa vida de aprendizados na sala de aula. O cuidado com esta é fundamental, pois é ela, a base, que
nos dará as primeiras impressões e significações para nos interessarmos, ou
não, por um simples “querer estudar”.
A base educacional deve trazer estímulos à criança, pois, é
de suma importância para o desenvolvimento da mesma que haja situações que lhe
oportunize formas de perceber-se como parte integrante e atuante de uma
sociedade. Além disso, já nessa fase ela pode começar a descobrir seus dons e
habilidades através dos estímulos do ambiente no qual está inserida, pois como
afirma Gardner (p. 32, 1995) “... nos
anos pré-escolares e nos anos iniciais elementares, a instrução deve enfatizar
a oportunidade. É durante esses anos que as crianças podem descobrir alguma
coisa sobre seus interesses e capacidades peculiares”.
O mesmo Gardner em
seu livro “Inteligências Múltiplas: A Teoria na Prática” relata que todos
nascem com potencial de várias inteligências - musical, corporal-cinestésica, lógico-matemática,
lingüística, espacial, interpessoal, intrapessoal - mas desenvolvem mais
algumas que outras, e que esse processo depende das relações com o ambiente e
dos estímulos culturais aos quais o indivíduo está inserido - logo, também na
área de educação, devemos adaptar as formas de ensino a tais variáveis da
inteligência humana.
Do platônico ideal ao ensino real: o poder da arte musical
Desde sempre a arte deveria
estar presente na vida doméstica e escolar das crianças. Estas, se bem
mediadas, poderão “canalizar” e sistematizar seus dons, recebendo e
proporcionando uma contribuição artística e, consequentemente um grande
enriquecimento cultural, sobretudo no que se refere a um embasamento
crítico-reflexivo em meio à educação. Com efeito, cabe frisar que o papel da
escola, nesse caso, seria de suma importância para fazer da arte uma constante
em sala de aula, e por sua vez, mais valorizada e eficaz na formação
sócio-intelectual do cidadão – mas, nem sempre é isso que ocorre.
Vários são os
empecilhos para a adoção mais consistente de um tipo de trabalho com arte em
sala de aula, sobretudo por conta do descaso da importância da mesma para
intermediar o processo ensino-aprendizagem – e isso não é recente, pois como
afirma Read (1958, p.13): “Platão defendia a séculos a tese de que a
arte deveria ser a base da educação, porém os intelectuais têm jogado com sua
tese como um brinquedo”. Ainda de acordo com Read (1958, p.13): “(...)
trataram o ideal mais apaixonado de Platão como um paradoxo inútil, que só pode
ser compreendido no contexto de uma civilização perdida”.
É para esses
“ditos” intelectuais, que desde a época de Platão não compreendiam, ou não
queriam compreender o valor da arte para a educação, que não devemos sucumbir.
Se sabemos o quanto podemos nos tornar, e tornar os educandos, seres cada vez
mais críticos e pensantes através do contato com a arte, não devemos, quiçá,
imaginá-la distante da prática pedagógica.
Há algumas artes que poderíamos dizer que são tão acessíveis, que
só não as utiliza os “professores” que não desejarem – a música é uma
delas. Ela é, entre as artes, aquela que
permite expressar, do modo mais puro, os sentimentos humanos. Então, por que
relutar tanto em utilizá-la em sala de aula? Permeando tal assunto, Pereira
(2002, p.87- 89) afirma “A educação musical que pretendemos começará na
Educação Infantil (não esquecer a estimulação nos berçários) e continuará
durante toda vida escolar”.
Para a autora essa continuidade precisa ser vista não somente como
uma questão de carga horária, mas como um empreendimento realmente pedagógico.
Além disso, Bovone (1971), apud Pereira (2002, p. 88 - 89) explicitou objetivos
os quais deveriam fazer parte do trabalho voltado à educação infantil. Dentre
eles foram citados objetivos gerais tais como “Possibilitar
que a criança ame a música e se expresse através dela; Formar valores que a
iniciem no gosto estético; (...) Estimular o desenvolvimento do respeito pelas
tradições; Detectar problemas motores, de conduta e de aprendizagem”.
Não
há dúvida: são objetivos fundamentais para o desenvolvimento de um trabalho
educacional, que se julgue, válido, fundamentado e com bases sólidas, bem como
tantos outros que também foram citados por Bovone
(1971), apud Pereira (2002, p. 88 - 89) como: “(...) Favorecer o
desenvolvimento global; Contribuir para o desenvolvimento cognitivo, com a
estimulação do desenvolvimento temporal-espacial; Contribuir para a obtenção da
maturidade necessária ao ingresso no mundo das coisas materiais”.
Já os
objetivos específicos elencados, por Bovone
(1971), apud Pereira (2002, p. 88 - 89) deram conta da importância
do “Cultivo da voz; Cultivo do ouvido; Cultivo do ritmo; Cultivo da
sensibilidade musical”.
É importante, portanto, que a
nossa sociedade, tão sedimentada em aspectos técnico-educacionais, deixe de
lado as lembranças e ações de tempos mais remotos, onde as práticas de exposição
conteudistas eram uma constante em nossas escolas. Faz-se necessário que todos, sem exceção,
entendam e aprendam a real importância da utilização da arte (aqui em especial
a música) em nossas vidas cotidianas, e em sala de aula, desde que iniciamos a
vida escolar – e até mesmo antes de chegarmos a ela.
A defesa, aqui, de forma tão
consistente da utilização musical junto à educação a partir da infância, tem
muito fundamento, visto que, se esta permear toda a vida escolar, tornar-se-á
instrumento de mediação para a aprendizagem junto a aspectos formais: e isso,
pode sim, deixar de ser apenas um chamado platônico ideal para ganhar o status ensino real.
A arte que sensibiliza é a mesma que educa
Num âmbito geral, desde a infância até a fase adulta, a
arte como um todo tem o nobre poder de sensibilizar e tocar nos mais profundos
sentimentos da alma humana. Ela, a arte, nos entretêm, diverte e nos torna,
particularmente, seres pensantes. E, não é de hoje que a mesma se faz presente em
nossas vida. Conforme Araújo (2001, p. 37) “Desde os tempos mais remotos e
primordiais da história da humanidade a arte tem sido uma forma de expressão e
de conhecimento humano com presença fundante e expressiva na dinâmica da
cultura humana”.
Bem como a educação, a arte penou durante muito tempo com o
mecanicismo exacerbado vigente na sociedade em diversos contextos. E bem como a
educação, também, sofreu com a linearidade repressora de um sistema fechado, e
dito acabado, onde o pensamento e as infinitas possibilidades de imaginação
inexistiam.
A compreensão de que a arte é necessária para trazer novos
ares e pensamentos à humanidade, nos faz crer que o processo de ensino urge por
sua presença como mediação sensibilizadora para um real aprendizado. A educação
sem a arte, que há tempos sofria com o engessamento dos modelos ditos
educacionais, ainda sucumbe à práticas de igual valor, como afirma Araújo (2001,
p. 48) “A criatividade, a imaginação, a compreensão crítica são recalcadas nos
processos embolorados de reprodução insípida e decadente. Formas e conteúdos
são cristalizados em modelos lineares e monolíticos”.
Como educadora defendo a presença da arte na escola: não
como disciplina à parte, mas como parte da disciplina. Explico: as múltiplas
possibilidades proporcionadas pela arte como integradora, sensibilizadora,
modificadora, multiplicadora, pluralizadora, a faz única dentro do que veio a
se convencionar facilitadora. Nesse sentido a arte não pode, nem deve, ser
vista como um simples recurso pedagógico: seres humanos críticos e pensantes
necessitam desta para elevar a imaginação, a criatividade e a compreensão
holística da vida – o que deve ser posto em prática desde a base; desde a
educação infantil.
Como ser humano acredito na arte como possibilidade de
enxergar sempre à diante. Quem traz
dentro de si um pouco de arte traz riqueza; traz um poder imaginário infinito;
traz a certeza de se saber sábio. Daí a
afirmação: a arte que sensibiliza é a mesma que educa. Sejamos, pois,
artisticamente educados: assim seja!
Referências
ARAÚJO, Miguel Almir L. de. Os sentidos da Arte. Coexistência entre Arte e
Educação. Cadernos de Educação. Ano 3, n. 4, jan/jun. 2001, p. 37-54, UEFS.
Feira de Santana-BA.
GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1995.
PEREIRA, Mary Sue. A
Descoberta da Criança: Introdução à Educação Infantil. Rio de Janeiro: WAK
EDITORA, 2002.
READ, Herbert. A
educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes Editora Ltda, 1958.
Nenhum comentário:
Postar um comentário