quinta-feira, 13 de outubro de 2016

A BASE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR: A ARTE COMO ESTÍMULO À APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS

           Valéria Nancí
Geógrafa e Publicitária

 Pensar sobre o caos que vivenciamos na área educacional atual, sobretudo nas escolas públicas brasileiras, nos remete a refletir sobre o imediatismo de um mundo cada vez mais globalizado e sedento de resultados rápidos e eficazes. Não existe fórmula mágica, nem elixir, nem mesmo antídoto milagroso para sanar tal mal. Também somente desejar que isso não ocorra, não é o suficiente: é preciso agir. A educação necessita de uma boa base para sobreviver e permanecer com o status do nome a ela designado. As escolas necessitam repensá-la numa perspectiva de processo, que deve vir atrelado a uma qualidade, para aí sim, chegarmos àquilo que se almeja: o aprendizado significativo.  Nessa perspectiva, a arte surge como forma de mediação necessária e integradora, pois ela, a arte, estimula e reforça conteúdos e vivências relevantes para todo e qualquer ser humano.

            O caso das inteligências múltiplas
            Desde crianças, somos submetidos a profissionais, por vezes, não qualificados, que tendem a reproduzir conhecimentos sem a mínima intenção de formar seres pensantes. Não os chamo professores, nem mesmo educadores, pois acho que estes sim, para receber tais nomenclaturas, estão em outro patamar: num patamar de seres humanos que desejam suscitar a criticidade no outro; almejam dar ao outro a possibilidade de pensar e, aí sim, fazer parte de um mundo real: o da educação que forma e transforma.
            A ideia da escola ideal ainda é somente uma ideia. Observamos, a todo momento, que a  aprendizagem fora relegada a segundo plano e, os indivíduos envolvidos neste processo apenas como ouvintes, tornaram-se “escravos” de um sistema educacional que de nada vale às reais necessidades humanas: o pensar e o refletir .  
            Se para tudo há um começo, na educação nunca foi, e nunca será, diferente. A chamada base é o “start” para nossa vida de aprendizados na sala de aula. O cuidado com esta é fundamental, pois é ela, a base, que nos dará as primeiras impressões e significações para nos interessarmos, ou não, por um simples “querer estudar”.
            A base educacional deve trazer estímulos à criança, pois, é de suma importância para o desenvolvimento da mesma que haja situações que lhe oportunize formas de perceber-se como parte integrante e atuante de uma sociedade. Além disso, já nessa fase ela pode começar a descobrir seus dons e habilidades através dos estímulos do ambiente no qual está inserida, pois como afirma Gardner (p. 32, 1995)  “... nos anos pré-escolares e nos anos iniciais elementares, a instrução deve enfatizar a oportunidade. É durante esses anos que as crianças podem descobrir alguma coisa sobre seus interesses e capacidades peculiares”.
O mesmo Gardner em seu livro “Inteligências Múltiplas: A Teoria na Prática” relata que todos nascem com potencial de várias inteligências - musical, corporal-cinestésica, lógico-matemática, lingüística, espacial, interpessoal, intrapessoal - mas desenvolvem mais algumas que outras, e que esse processo depende das relações com o ambiente e dos estímulos culturais aos quais o indivíduo está inserido - logo, também na área de educação, devemos adaptar as formas de ensino a tais variáveis da inteligência humana.


Do platônico ideal ao ensino real: o poder da arte musical
Desde sempre a arte deveria estar presente na vida doméstica e escolar das crianças. Estas, se bem mediadas, poderão “canalizar” e sistematizar seus dons, recebendo e proporcionando uma contribuição artística e, consequentemente um grande enriquecimento cultural, sobretudo no que se refere a um embasamento crítico-reflexivo em meio à educação. Com efeito, cabe frisar que o papel da escola, nesse caso, seria de suma importância para fazer da arte uma constante em sala de aula, e por sua vez, mais valorizada e eficaz na formação sócio-intelectual do cidadão – mas, nem sempre é isso que ocorre.
Vários são os empecilhos para a adoção mais consistente de um tipo de trabalho com arte em sala de aula, sobretudo por conta do descaso da importância da mesma para intermediar o processo ensino-aprendizagem – e isso não é recente, pois como afirma Read (1958, p.13): “Platão defendia a séculos a tese de que a arte deveria ser a base da educação, porém os intelectuais têm jogado com sua tese como um brinquedo”. Ainda de acordo com Read (1958, p.13): “(...) trataram o ideal mais apaixonado de Platão como um paradoxo inútil, que só pode ser compreendido no contexto de uma civilização perdida”.
É para esses “ditos” intelectuais, que desde a época de Platão não compreendiam, ou não queriam compreender o valor da arte para a educação, que não devemos sucumbir. Se sabemos o quanto podemos nos tornar, e tornar os educandos, seres cada vez mais críticos e pensantes através do contato com a arte, não devemos, quiçá, imaginá-la distante da prática pedagógica.
Há algumas artes que poderíamos dizer que são tão acessíveis, que só não as utiliza os “professores” que não desejarem – a música é uma delas.  Ela é, entre as artes, aquela que permite expressar, do modo mais puro, os sentimentos humanos. Então, por que relutar tanto em utilizá-la em sala de aula? Permeando tal assunto, Pereira (2002, p.87- 89) afirma “A educação musical que pretendemos começará na Educação Infantil (não esquecer a estimulação nos berçários) e continuará durante toda vida escolar”.
Para a autora essa continuidade precisa ser vista não somente como uma questão de carga horária, mas como um empreendimento realmente pedagógico. Além disso, Bovone (1971), apud Pereira (2002, p. 88 - 89) explicitou objetivos os quais deveriam fazer parte do trabalho voltado à educação infantil. Dentre eles foram citados objetivos gerais tais como “Possibilitar que a criança ame a música e se expresse através dela; Formar valores que a iniciem no gosto estético; (...) Estimular o desenvolvimento do respeito pelas tradições; Detectar problemas motores, de conduta e de aprendizagem”.
Não há dúvida: são objetivos fundamentais para o desenvolvimento de um trabalho educacional, que se julgue, válido, fundamentado e com bases sólidas, bem como tantos outros que também foram citados por Bovone (1971), apud Pereira (2002, p. 88 - 89) como: “(...) Favorecer o desenvolvimento global; Contribuir para o desenvolvimento cognitivo, com a estimulação do desenvolvimento temporal-espacial; Contribuir para a obtenção da maturidade necessária ao ingresso no mundo das coisas materiais”.
Já os objetivos específicos elencados, por Bovone (1971), apud Pereira (2002, p. 88 - 89) deram conta da importância do “Cultivo da voz; Cultivo do ouvido; Cultivo do ritmo; Cultivo da sensibilidade musical”.
É importante, portanto, que a nossa sociedade, tão sedimentada em aspectos técnico-educacionais, deixe de lado as lembranças e ações de tempos mais remotos, onde as práticas de exposição conteudistas eram uma constante em nossas escolas.  Faz-se necessário que todos, sem exceção, entendam e aprendam a real importância da utilização da arte (aqui em especial a música) em nossas vidas cotidianas, e em sala de aula, desde que iniciamos a vida escolar – e até mesmo antes de chegarmos a ela.
A defesa, aqui, de forma tão consistente da utilização musical junto à educação a partir da infância, tem muito fundamento, visto que, se esta permear toda a vida escolar, tornar-se-á instrumento de mediação para a aprendizagem junto a aspectos formais: e isso, pode sim, deixar de ser apenas um chamado platônico ideal para ganhar o status ensino real.

A arte que sensibiliza é a mesma que educa
Num âmbito geral, desde a infância até a fase adulta, a arte como um todo tem o nobre poder de sensibilizar e tocar nos mais profundos sentimentos da alma humana. Ela, a arte, nos entretêm, diverte e nos torna, particularmente, seres pensantes. E, não é de hoje que a mesma se faz presente em nossas vida. Conforme Araújo (2001, p. 37) “Desde os tempos mais remotos e primordiais da história da humanidade a arte tem sido uma forma de expressão e de conhecimento humano com presença fundante e expressiva na dinâmica da cultura humana”.
Bem como a educação, a arte penou durante muito tempo com o mecanicismo exacerbado vigente na sociedade em diversos contextos. E bem como a educação, também, sofreu com a linearidade repressora de um sistema fechado, e dito acabado, onde o pensamento e as infinitas possibilidades de imaginação inexistiam.
A compreensão de que a arte é necessária para trazer novos ares e pensamentos à humanidade, nos faz crer que o processo de ensino urge por sua presença como mediação sensibilizadora para um real aprendizado. A educação sem a arte, que há tempos sofria com o engessamento dos modelos ditos educacionais, ainda sucumbe à práticas de igual valor, como afirma Araújo (2001, p. 48) “A criatividade, a imaginação, a compreensão crítica são recalcadas nos processos embolorados de reprodução insípida e decadente. Formas e conteúdos são cristalizados em modelos lineares e monolíticos”. 
Como educadora defendo a presença da arte na escola: não como disciplina à parte, mas como parte da disciplina. Explico: as múltiplas possibilidades proporcionadas pela arte como integradora, sensibilizadora, modificadora, multiplicadora, pluralizadora, a faz única dentro do que veio a se convencionar facilitadora. Nesse sentido a arte não pode, nem deve, ser vista como um simples recurso pedagógico: seres humanos críticos e pensantes necessitam desta para elevar a imaginação, a criatividade e a compreensão holística da vida – o que deve ser posto em prática desde a base; desde a educação infantil.
Como ser humano acredito na arte como possibilidade de enxergar sempre à diante.  Quem traz dentro de si um pouco de arte traz riqueza; traz um poder imaginário infinito; traz a certeza de se saber sábio.  Daí a afirmação: a arte que sensibiliza é a mesma que educa. Sejamos, pois, artisticamente educados: assim seja!

Referências
ARAÚJO, Miguel Almir L. de. Os sentidos da Arte. Coexistência entre Arte e Educação. Cadernos de Educação. Ano 3, n. 4, jan/jun. 2001, p. 37-54, UEFS. Feira de Santana-BA.
GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
PEREIRA, Mary Sue. A Descoberta da Criança: Introdução à Educação Infantil. Rio de Janeiro: WAK EDITORA, 2002.
READ, Herbert. A educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes Editora Ltda, 1958.


Nenhum comentário: